Fiel e honesta

"Penso que não cegámos, penso que estamos cegos, Cegos que vêem, Cegos que, vendo não vêem." ("Ensaio sobre a Cegueira", pág. 310)


"Ensaio sobre a Cegueira" ("Blindness", Brasil/Canadá/Japão, 2008, 120 min., Drama)

Uma cegueira branca como o leite toca todos os seres humanos de uma cidade não identificada. Todos, exceto uma mulher.

Será ela os nossos próprios olhos e testemunha in loco da degradação em que podemos chegar, tanto no filme "Ensaio sobre a Cegueira", quanto em sua obra de origem, homônima, do escritor português José Saramago --Nobel da literatura em 1998.

Adaptado às telonas por Fernando Meirelles, o longa tem uma honestidade e uma reverência ímpar. A fidelidade do diretor para com o livro é quase absoluta.

Julianne Moore dá vida a Mulher do Oftalmologista, aquela que vê. Mark Rufallo é o próprio Oftalmologista. Alice Braga faz a Rapariga de Óculos Escuros. Danny Gloover é o Homem da Venda Preta. E Gael García Bernal mostra sua verve maldosa como o Rei da Ala 3.

No decorrer da película, acompanha-se o desespero do Primeiro Cego, que vai dando lugar a uma epidemia. Os enfermos são depositados em um sanatório. Uma quarentena. E será lá que a balbúrdia humana vai se instalar. Crua e impactante é a cena do estupro a que as mulheres se sujeitam em troca de comida.

Seco, o livro não poderia resultar em uma adaptação cinematográfica que assim não o fosse. Meirelles com uma mão angustia e com outra aproxima o espectador com as paisagens conhecidas por nós -paulistanos ao menos. Da drogaria Onofre, na av. Paulista, à ponte Estaiada Otávio Frias Filho, passando pela Marginal Tietê e pelo Theatro Municipal, o filme arrebata e faz pensar. Mais: incomoda.

Um trabalho respeitável, que merece ser visto. E o livro "Ensaio sobre a Cegueira" DEVE ser lido.